Um Pouco Sobre a História do Recriacionismo Histórico

        Atividades relacionadas com a recriação histórica têm uma longa história. Os romanos encenavam recriações de batalhas famosas dentro de seus anfiteatros como uma forma de atrair público aos seus espetáculos. Na Idade Média, torneios reviviam temas históricos da Roma Antiga ou de outro lugar com grande frequência. Exibições militares, simulações de batalhas e reconstituições se tornaram populares no século XVII na Inglaterra, mas foi no século XIX que recriações históricas se generalizaram, refletindo o intenso e romântico interesse na Idade Média, a cultura medieval era amplamente admirada como correspondência à moderna Iluminação e Era Industrial. Jogos e obras teatrais como Ivanhoe (novela histórica de Walter Scottque em 1820 estava em seis diferentes produções teatrais em Londres) perpetuavam o romantismo dos cavaleiros, castelos, festas e torneios.

        Um evento que ajudou o Recriacionismo Histórico atravessar os séculos foi o espetacular “Torneio Eglinton de 1839”, recriação de uma justa medieval. Realizado no Castelo de Eglinton, Escócia e organizado por Archibald Montgomerie, 13º Conde de Eglinton, o torneio foi um ato deliberado de romantismo e atraiu cerca de 100 mil espectadores. Os custos foram muito altos para que tudo ocorresse como planejado, as cidades vizinhas mobilizaram-se em prol do acontecimento, houve treinamento regular para as apresentações e muitos visitantes ilustres participaram, incluindo o futuro Napoleão III da França, sobrinho de Napoleão Bonaparte. Os preparativos e as muitas obras de arte encomendadas para o Torneio Eglinton tiveram um imenso efeito sobre o sentimento público e inspiraram muitos outros eventos posteriores a ele, como por exemplo, o Torneio de Bruxelas, em 1905, e todos estes pressagiaram as recriações históricas do presente.

        O recriacionismo de batalhas se tornou mais comum no final do século XIX, especialmente no Reino Unido e também nos EUA. Veteranos da Guerra Civil Americana recriaram batalhas como uma maneira de lembrar seus companheiros mortos e para ensinar aos outros sobre do que se trata a guerra. A “Grande Reunião de 1913”, em comemoração ao 50º aniversário da Batalha de Gettysburg, foi assistido por mais de 50.000 veteranos da União e Confederados e incluía reatuações de elementos da batalha, incluindo o “Pickett’s Charge”, famoso assalto de infantaria dos Confederados sobre a União. Durante o início do século XX, algumas recriações históricas se tornaram muito populares na Rússia, tais como o “Cerco de Sebastopol” (1854), a “Batalha de Borodino” em São Petersburgo (1812) e a batalha da “Tomada de Azov” (1696) em Voronezh. Em 1920, houve uma recriação do “Assalto ao Palácio do Inverno” (1917)no terceiro aniversário do evento. Esta última recriação inclusive inspirou o diretor Sergei Eisenstein nas cenas do filme ”Outubro: Dez Dias Que Abalaram o Mundo”, de 1928, um épico russo da dramatização que retrata a Revolução Bolchevique de 1917.

        Recriações de grande escala começaram a ser realizadas regularmente nas décadas de 1920 e 1930. Uma espetacular, em especial, aconteceu em Aldershot, Inglaterra, no ano de 1934 e teve seis dias de duração, contando com diversos tipos de atividades e apresentações sobre o “Cerco de Namur”, importante acontecimento militar na Guerra dos Nove Anos. Nos Estados Unidos estima-se que o recriacionismo moderno tenha começado durante os anos de 1961-1965, nas comemorações do centenário da Guerra Civil Americana.

        O recriacionismo expandiu-se em popularidade durante as décadas de 1980 e 1990, em grande parte devido ao sucesso dos aniversários de batalhas históricas originais, que em alguns lugares chegavam a reunir públicos de mais de cinco mil pessoas, sendo uma boa parcela de recriacionistas e entusiastas envolvidos nas atividades. Atualmente existem atividades extremamente populares por todo o planeta e milhares de reenactors viajam regularmente para lugares onde a prática recriacionista é muito forte como Reino Unido, França, Polônia, República Tcheca, Rússia e EUA, a fim de participarem de eventos de muita importância e prestígio. Eventos anuais e de aniversários ainda são os que mais atraem participantes, muitos conselhos locais, casas históricas particulares e outros órgãos de valorização do patrimônio têm apreciado e se aproximado das recriações históricas e não demonstram sinais de mudarem a mentalidade. Castelos e parques também estão cada vez mais voltados aos grupos de living history, com suas atrações cheias de vida e de emoção. O mundo do cinema e da TV também utiliza as habilidades de grupos profissionais de recriação, não é incomum ver tropas e exércitos formados por recriacionistas em séries e filmes que retratam eras antigas, como “O Patriota”, “O 13th Guerreiro”, entre outros.

        As épocas históricas e temas recriados crescem à medida que, cada vez mais, o passado é explorado com o decorrer dos anos. E tudo isso faz com que o recriacionismo seja uma atividade em ascensão por todo o mundo.


O Viking Reenactment

O Recriacionismo Viking, como o nome já diz, busca trazer aos nossos dias os aspectos do cotidiano das populações escandinavas dos séculos VIII ao XI d.C., nas mais variadas formas. Existem aqueles que estudam suas músicas e danças, outros que se preocupam com a produção artística da época, os que priorizam a navegação, a luta e também mais de um ou até mesmo todos estes aspectos.

        O grupo de recriacionismo viking mais antigo que se tem registro são os “The Vikings!” do Reino Unido, fundado em 1971, que conta hoje com mais de 700 membros em toda a Grã-Bretanha e outras centenas por toda a Europa e EUA. Embora a sociedade “The Vikings!” se concentre essencialmente no século X, seus eventos muitas vezes são criados com maior amplitude do período (790-1066), com as adaptações apropriadas para vestimentas e equipamentos a serem utilizados. Apesar do título “The Vikings!”, a sociedade retrata também, além dos vikings, a cultura dos saxões, normandos e celtas. Pioneiros, o “The Vikings!” é uma sociedade altamente prestigiada e muito premiada pelo nível de seus trabalhos, além de também ser uma das sociedades fundadoras da National Association of Reenactment Societies (NAReS), associação fundada em 1991, no Reino Unido, com o intuito de reunir grupos de reenactment e assumir uma liderança em padrões de segurança e profissionalismo dentro do recriacionismo histórico. Regia Anglorum, Medieval Society Siege, Napoleonic Association e diversos outros grupos de alto nível são alguns nomes que também integram a NAReS.

O viking reenactment também é forte nos próprios locais originários da Era Viking, ou seja, na Escandinávia. Existem diversos grupos e sítios arqueológicos que fazem um grande trabalho por lá, como por exemplo, o Fotevikens Museum na Suécia e o The Borre Viking Market na Noruega, promovido pelos pioneiros Borre Vikinglag. O viking reenactment também é bastante forte no leste europeu, especialmente na Polônia, país que sedia o que podemos chamar de “copa do mundo” do viking reenactment: o Wolin, maior festival Viking e Eslavo da terra.

Se comparado às cenas existentes em países europeus e até mesmo de alguns lugares das Américas como EUA e Chile, o viking reenactment brasileiro ainda é uma criança dando seus primeiros passos. Com aproximadamente 8~9 anos de existência, a cena brasileira tem ganhado alguma consistência nos últimos anos, especialmente depois que os primeiros grupos do país começaram a se desmembrar. É o caso do Hednir Clan, pioneiro da atividade no Brasil, que apesar de se manter atualmente em atividade mais como um grupo de demonstração de combates do que como grupo de recriacionismo histórico em si, deu vida a aproximadamente outros quatro ou cinco grupos após sofrer consecutivas dissoluções. Estes grupos, por sua vez, também têm dado vida a novos grupos.



Referências Bibliográficas

Vanessa Agnew. "Introduction: What Is Reenactment?". 2004. Revista Criticism: Vol. 46: Iss. 3, Article 2. Disponível em: http://digitalcommons.wayne.edu/criticism/vol46/iss3/2

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