A Escandinávia Pré-Viking

     A história da Escandinávia é marcada por sucessivas revoluções tecnológicas e culturais que trouxeram evolução às sociedades daqueles locais. Neste artigo ressaltamos as principais características de cada período, dando uma aprofundada maior nos que mais nos interessam em relação à Era Viking: Era das Migrações Nórdicas e Era de Vendel, ambas dentro da Idade do Ferro germânica. Através dos gráficos abaixo, conforme se desenrola a leitura do artigo, o leitor pode acompanhar quando houve uma revolução que marcou o início de cada período e quanto durou cada um deles. 




     Mesolítico: Os primeiros escandinavos foram povos nômades que viviam da caça, da pesca e da colheita de plantas silvestres. Viviam em acampamentos temporários, situados principalmente ao longo das costas, nas margens dos rios e dos lagos para se beneficiarem dos seus recursos alimentares: peixes, crustáceos, mamíferos marinhos, aves marinhas e animais que rondavam pelos campos próximos. Perseguindo a caça, mudavam o lugar do seu acampamento e, portanto, deixaram poucos vestígios além das suas ferramentas, das suas armas feitas de sílex e de outras pedras, e de algumas sepulturas de pessoas que foram enterradas junto dos acampamentos. Este tipo de existência migratória e disseminada prosseguiu por cerca de quatro mil anos e os arqueólogos conhecem-na com o nome de Mesolítico.

     Neolítico: Uma enorme mudança teve lugar na Escandinávia Meridional por volta de 4000 a.C., quando o cultivo e a criação de gado começaram a substituir a caça como principal meio de sustento. Essa alteração foi o prenúncio do grande período da pré-história seguinte, o Neolítico, que durou mais de dois mil anos. O novo modo de subsistência chegou à Escandinávia procedente do sul e pode ter sido introduzido por grupos de imigrantes da Europa continental. No entanto, é pouco provável que houvesse uma imigração em grande escala e a população nativa continuou a viver como os caçadores do período anterior. Depois de se adotar a agricultura, modificou-se a forma de povoamento, as populações ocuparam suas casas por períodos mais longos, cultivando a terra ao lado, que tinha sido conquistada ao bosque primitivo. Mas aquelas colônias também não seriam ocupadas por muitos anos, dado que os campos circundantes rapidamente se tornariam improdutivos por causa do uso excessivo e da falta de adubo; os habitantes transferiram-se então para outro lugar, onde podiam tratar e cultivar uma nova terra. As colônias semipermanentes eram pequenas, formadas por algumas poucas casas que alojavam pouco mais que um grupo familiar e estavam espalhadas por todo o país, sob a forma de fazendas isoladas mais do que aldeias. Com o passar do tempo, a forma de alguns utensílios, especialmente as armas, foi muito elaborada, requerendo grande habilidade para a sua fabricação. Os machados de combate de pedra polida e os punhais de sílex testemunham a sofisticação que os artesãos podiam alcançar com aqueles materiais aparentemente intratáveis. No final do neolítico, no segundo milênio a.C., a pedra e o sílex começaram a ser substituídos pelo bronze em armas simples como os machados achatados e os punhais. Essa modificação marcou a transição para a Idade do Bronze. 

Formões e outras pontas de ferramentas feitas de sílex do período neolítico dinamarquês.


     Idade do Bronze: O bronze é uma liga de cobre e estanho. Estes dois metais procedentes da Europa Central e Europa Ocidental tiveram de ser introduzidos na Escandinávia no período pré-histórico. A utilização do bronze deve ter marcado uma alteração acentuada na economia da Escandinávia primitiva, introduzindo-a numa rede mais ampla de contatos culturais e tornando-a mais aberta às influências do exterior. A Idade do Bronze começou na Dinamarca por volta de 1800 a.C. e durou mais de mil anos. A sua cultura penetrou muito mais devagar nas regiões setentrionais da península Escandinava, embora os achados de objetos de bronze de estilo uniforme em toda a Escandinávia indiquem que houve relações entre o norte e o sul, como em períodos anteriores. Na Idade do Bronze, o comércio favoreceu estes contatos: trocavam-se matérias-primas, sobretudo peles e couros, por cobre e estanho para fazer bronze, ou por armas de bronze, como espadas e machados que se importavam da Europa Central e Ilhas Britânicas.     Quase toda a nossa informação sobre a Idade do Bronze na Escandinávia tem origem nos túmulos ou nos objetos de bronze e de metais preciosos que foram enterrados ou depositados, provavelmente como oferendas religiosas, em pântanos, rios, lagos e esses túmulos têm muito para nos contar.

     Sabe-se muito pouco sobre o estabelecimento de colônias na Idade do Bronze, mas os poucos indícios que existem sugerem que a população daquela época era essencialmente formada por camponeses que viviam em fazendas longas e retangulares, com um estábulo numa extremidade. Algumas fazendas eram agrupadas, formando pequenas aldeias. Foram encontrados instrumentos musicais, capacetes com adornos complicados, escudos, recipientes de bronze e de ouro, bem como joias femininas, que indicam que a Idade do Bronze foi um período de grande riqueza em grande parte da Escandinávia Meridional. A sociedade da Idade do Bronze parece ter sido dominada por uma classe dirigente rica e poderosa. Os esplendidos bens mortuários de bronze e de ouro concentrados em alguns túmulos masculinos indicam que a pessoa ali enterrada pertenceu a uma classe dirigente e a presença de uma só fazenda imensa numa aldeia de casas pequenas também pode indicar alguma forma de hierarquia interna. Os depósitos votivos da Idade do Bronze também sugerem manifestações de chefia: o rico e o poderoso acalmavam o deus ou espírito local que habitava o lugar com uma esplendia oferenda e ao mesmo tempo asseguravam a sua posição sobre os rivais com uma exibição de notável esbanjamento.

Os famosos elmos chifrados de Veksø, da Ilha da Zelândia, Dinamarca. Foram encontrados em escavação em 1942 e
datados ao período 1100-900 a.C, correspondente à Idade do Bronze escandinava.

     Idade do Ferro: Em meados do 1º milênio a.C., sucedeu outra revolução tecnológica, quando o ferro substituiu o bronze como material para a maioria das ferramentas e das armas. A ideia de utilizar o ferro veio, como o uso do bronze, da Europa Central, mas desta vez o metal não teve de ser importado. No leito dos lagos da Noruega, Suécia e da Dinamarca, há abundantes fontes de minério de ferro, que se pode conseguir facilmente. Conhecidos como minério do pântano ou minério do lago, estes depósitos eram apanhados sem necessidade de escavação. O minério em si não é de grande qualidade e contem muitas impurezas, mas os escandinavos aprenderam rapidamente a extrair ferro utilizável fundindo em fornos simples. As ferramentas e as armas feitas pelos ferreiros no início da Idade do Ferro eram poucas e simples, mas as habilidades e capacidades dos artesãos escandinavos aumentaram ao longo dos séculos, até que os seus produtos se encontraram ao pé de igualdade com qualquer outro feito em toda a Europa.

     A Idade do Ferro na Escandinávia durou cerca de 1500 anos e foi dividida pelos arqueólogos em várias fases cronológicas:

  • A Idade do Ferro Primitiva (também chamada Idade do Ferro Celta ou Idade do Ferro Pré-Romana) abrange os primeiros 500 anos do período. 
  • A Idade do Ferro Romana assinala a época em que o Império Romano dominava o continente europeu (do século I ao IV) e influía na cultura escandinava, apesar de a Escandinávia nunca ter feito parte do império. 
  • Os séculos V e VI são conhecidos como o período de migração (em referências às migrações em massa do leste para o oeste através da Europa); na Dinamarca, este período também se chama Idade do Ferro Germânica Primitiva.
  • O século VII e o inicio do século VIII são conhecidos como o período de Vendel (na Suécia), período Merovíngio (na Noruega) ou Idade do Ferro Germânica Avançada (na Dinamarca).
  • Depois vem a Era Viking, cujo início é datado geralmente por volta de 800. O final desta época coincide com a introdução do cristianismo na Escandinávia, no final do século X na Dinamarca e um pouco depois nos outros lugares.
   
  

Era Das Migrações Nórdicas


     A Era das Migrações Nórdicas é um período arqueológico da Escandinávia decorrido aproximadamente nos anos 400-550 d.C. Faz parte do período inicial da Idade do Ferro germânica, tendo sido precedida pela Idade do Ferro romana e sucedida pela Era de Vendel e esta pela Era Viking. Estas movimentações internas na Escandinávia tiveram lugar ao mesmo tempo que as Migrações Bárbaras na Europa Continental, em que o Império Romano foi invadido por povos germânicos e eslavos.

     Este processo iniciou-se com o movimento em massa de povos que atravessaram a Europa, de leste para oeste, mas as grandes migrações só atingiram levemente a Escandinávia. Alguns zarparam do oeste para o sul da Dinamarca para se estabelecer no leste da Inglaterra; outros podem ter emigrado do sudoeste da Noruega para o norte da Inglaterra. Mas, contrastando com o que estava sucedendo em quase todo o noroeste da Europa, o período de migração na Escandinávia parece ter sido de estabilidade e de prosperidade, com uma agricultura e um comércio florescentes. Na Noruega, a expansão agrícola que tinha começado no período anterior prosseguiu. Escavaram-se muitas povoações no sudoeste do país que parecem representar propriedades isoladas dedicadas à pecuária, com alguns cultivos nos pequenos campos adjacentes. As casas longas e retangulares, feitas de pedra, albergavam as pessoas e o gado. Uma propriedade típica consiste numa casa alongada com varias dependências menores, rodeada de um muro de pedra e com terrenos para o gado também cercados de pedras. Encontraram-se propriedades semelhantes em Olândia e Gotlândia, onde se praticava a mesma agricultura. A distribuição dispersa dessas propriedades as diferencia das povoações em aldeias da Dinamarca, cuja extensão continuava a aumentar.

Uma bracteata de ouro da Era das Migrações com
a representação de um pássaro, um cavalo e uma
cabeça estilizada com traços e nós suevos.
Teoriza-se que representa o deus Woden, o cavalo
Sleipnir e os corvos Hugin ou Munin na mitologia
germânica e, posteriormente, na mitologia nórdica.
A inscrição rúnica inclui o termo religioso alu.
     O comércio e os trabalhos manuais floresceram no período de migração. O depósito de oferendas votivas em pântanos, lagos e rios, principais manifestações da religião em épocas anteriores, terminou no século VI. A partir do século VI, os sacrifícios faziam-se normalmente com seres humanos e os objetos preciosos como as figurinhas em folhas de ouro e os bracteados de ouro eram enterrados em terra seca, quase sempre na proximidade da residência de um chefe importante. Esta modificação na prática deve significar uma alteração profunda nas ideias religiosas e sociais e sugere que os chefes regionais desempenhavam o papel de lideres políticos e religiosos, sendo de algum modo os intermediários entre os deuses e o povo. O período de migração foi em quase toda a Escandinávia um tempo de modificação religiosa, política e social num ambiente de prosperidade crescente: a agricultura tornou-se mais produtiva e o comércio desenvolveu-se.

     Contrastando com o continente europeu, a Era das Migrações Nórdicas deve ter sido um tempo de paz, no entanto, cerca de 1500 fortalezas de defesa estavam sendo construídas mais ou menos ao mesmo tempo. A maioria delas não foi escavada e é difícil datá-las com exatidão, mas a primeira fase da fortaleza de Eketorp, na Olândia, por exemplo, remonta aos séculos IV e V. A construção de fortalezas é normalmente atribuída a períodos de agitação, mas a maioria dos especialistas atuais pensa que as fortalezas da Escandinávia no período de migração foram construídas por razões totalmente diferentes. Provavelmente representavam centros de uma sociedade bem organizada, na qual os centros regionais de poder eram demarcados e claramente visíveis para as populações dos arredores.


Era de Vendel


     Era de Vendel (em sueco Vendeltid), última fase da Idade do Ferro antes do advento da cultura vikingé um período arqueológico da história da Suécia que vai de aproximadamente 550 a 793 d.C. e cujo nome provém da pequena povoação de Vendel, na província histórica de Uppland. Seus ricos túmulos assinalam a presença de uma dinastia real nos anos que precederam a Era Viking. Tinham começado a surgir centros de poder regional na Escandinávia, especialmente na Dinamarca, nas primeiras fases do período do ferro e as entidades políticas do período de Vendel deveriam, portanto, ser consideradas como a culminação de fatos precedentes e não como inovações. A sua importância reside no fato de proporcionarem uma base para o que se ia produzir: o surgimento de reinos característicos na Era Viking e a autentica cristalização dos reinos da Suécia, da Noruega e da Dinamarca no início da Idade Média.

Elmo da Era de Vendel encontrado em um dos
11 barcos funerários em escavação de 1881.
Encontra-se no Museu de Antiguidades
Nacionais da Suécia.
     O cemitério de Vendel na província de Uppland encontra-se na margem leste do rio Fyris, que flui para o sul até o lago Malaren. Os dirigentes dos svears, uma população ou tribo mencionada pelos escritores latinos do período romano como a força dominante no Báltico e que deram o seu nome ao país (Suécia), foram enterrados neste cemitério. Os seus corpos foram colocados em barcos com seu equipamento pessoal, disposto à sua volta como prova da sua categoria. Os opulentos bens mortuários - armaduras muito decoradas, jaezes de cavalo, copos de vidro e equipamentos de cozinha, incluindo caldeiros - e o uso frequente de barcos nos enterros de Vendel e de Valsgarde podem tornar-se uma prova da criatividade e do consumo notáveis de riqueza por parte de uma ou de várias famílias que controlavam as terras e a população numa ampla região. São os melhores exemplos que temos de um centro real naquela época. A riqueza e o poder dos svear provavelmente derivavam do seu controle do comércio que circulava pelo rio Fyris, transportando peles e ferro do norte até os centros do sul. Quase todos os enterros dessa data na mesma região contêm bens mortuários de má qualidade e, por conseguinte, podemos supor que a maioria da população que vivia em estabelecimentos rurais não desfrutava do mesmo nível de vida ou dos mesmos luxos que os ocupantes dos cemitérios de Vendel e Valsgarde.

     A expansão de autoridades poderosas centrais na Escandinávia durante a Era de Vendel conduziu a outros desenvolvimentos, como o estabelecimento de centros mercantis e de trabalho de artesãos. Alguns destes, como Ribe, na Dinamarca, por exemplo, tornaram-se depois povoados da Era Viking, mas outros, como Ahus e Skane, na Suécia, floresceram no século VIII e depois foram abandonados. Naquela época também se empreenderam trabalhos de engenharia em grande escala. Danevirke, uma grande fortificação no sul da península da Jutlândia, começou a ser construída por volta de 737. Devia ser um extraordinário obstáculo, formado por uma muralha de terra revestida de madeira de 10 metros de largura, aproximadamente, com um fosso em frente, cuja escavação proporcionou provavelmente a terra para a muralha. A barreira estendia-se para o sudoeste a partir do fiorde de Schlei, no extremo oeste, e media cerca de sete quilômetros de comprimento. A escavação do canal de Kanhave na ilha de Samso, por volta de 726, foi também impressionante. Foi aberta uma passagem de cerca de 1 quilômetro de comprimento e 11 metros de largura através de um estreito istmo ao norte da ilha e afundada para permitir a passagem de embarcações de pouco calado. Os seus lados inclinados foram revestidos de madeira e a totalidade da obra requereu uma habilidade técnica considerável, bem como a disponibilidade de importante mão de obra. Todos esses êxitos prepararam terreno para os posteriores desenvolvimentos da Era Viking.

Membros do grupo de recriacionismo histórico Wulfheodenas, um dos maiores expoentes no período dos séculos
VI a VII da cultura dos povos anglo-saxônicos e seus contemporâneos como Vendel.

     Abaixo deixo três ótimos vídeos sobre Era de Vendel, onde se evidenciam algumas diferenças entre o que é desta era e o que é da Era Viking:








Referências bibliográficas


James Graham-Campbell. Os Vikings, Grandes civilizações do passado. Editora Folio, 2006.

Judith JeschThe Scandinavians from the Vendel Period to the Tenth Century: An Ethnographic Perspective. Editora Boydell Press, 2003.

Iron Age Scandinavia, artigo livre da Wikipédia.
Geography in Scandinavia (em inglês).

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